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educação

A FACA SEVERINA[*]

Reinaldo Vizcarra

 

 

            Seo Zeferino é uma pessoa idosa, afável e bem-humorada. Todos os dias, quando chego do trabalho, passo pelo bar de seo Leandro para tomar um cafezinho, e sempre encontro o velho Zeferino encostado no balcão. Um puído terno marrom, porém muito limpo, e um chapéu já bem surrado, o acompanham, invariavelmente. O sorriso incompleto parece morar em suas feições rudes, mas amigas.

            Não é pessoa de grandes estudos, porém, não há quem não troque com ele, ao menos, dois ou três dedos de prosa. Seo Leandro me disse uma vez que o velho Zefe, como é conhecido, já faz parte do mobiliário do bar.

            Certa feita, há alguns meses, encontrei o velho Zefe em seu canto costumeiro, encostado no balcão. À sua frente, um homem alto, forte e mulato, de uns vinte e poucos anos, ria-se do idoso, arreganhado.

            Mas é a pura verdade - Dizia o velho - Eu vi com esses olhos que a terra há de comer. Estavam os dois lobisomens brigando, em noite de lua cheia.

 - Quá, quá, quá... - Fazia o mulato - Mas que lobisomem que nada, velho. Isso não existe. Aonde já se viu...

 - Mas eu tô dizendo, moço. Era noite de lua  e os bichos se pegavam. Parecia o inferno cuspindo os cães!

            E tome gargalhada do mulato. Meneei a cabeça para seo Zeferino, cumprimentando-o respeitosamente. Seo Leandro colocou o copo no balcão e olhou para o mulato de modo reprovador.

O homem nem tomou conhecimento. Ria alto. Os  lábios  grandes, úmidos de cerveja, debochavam :

 - Mas e aí, velho... Quem ganhou a briga ?

 - Eu ganhei - Seo Zeferino falou com o ar grave.

 - Vocêêê...? Quá, quá, quá... Bateu nos dois de bengala? - E  desatava em  gargalhadas.

            Seu Zeferino abriu o paletó e puxou um punhal curto e brilhante, que reluziu mesmo com a pouca luz do bar.

 - Ganhei com isto - Falou - A Severina. Minha companheira  há mais de quarenta anos.

            O mulato parou de rir e eu avaliei a faca. Tinha um cabo de osso bem gasto. Sua lâmina, no entanto, parecia afiadíssima. Via-se que era coisa bem tratada. O homem mais jovem retomou a zombaria :

            E ai seo Zefe... O senhor matou os dois com essa faquinha? Mas não serve nem prá passar manteiga!

Olhei para seo Leandro. O dono do bar já dava sinais de impaciência.

            Peguei um bicho pelo pescoço, de surpresa - Continuava o velho Zefe - O outro veio prá cima de mim e me...

- Aí o senhor se borrou todo... quá, quá, quá...

O mulato já extrapolava nas gargalhadas e na falta de respeito. Tinha os olhos esgazeados de tanto rir, e as veias do pescoço prometiam estourar. Seo Zefe olhou para ele com frieza. Guardou a faca na bainha por dentro do paletó e calou-se. Uma névoa de tensão pairou no ambiente, e todos os presentes mantiveram-se calados. Somente as gargalhadas do mulato ecoavam no recinto.

- Leva a mal não, seo Zefe. Mas acreditar num lobisomem já é duro. Dois então é de matar! E o pior é o senhor querer que eu acredite que com essa faquinha deu conta de dois lobisomens. É prá morrer de rir.

Calado, sereno, o velho Zefe continuou a tomar sua cachaça em pequenos goles. Dera por encerrada a conversa. O mulato, não satisfeito com o silêncio do ancião, puxou do cano da bota uma grande faca, de metal opaco e grosseiro.

- Se pelo menos o senhor tivesse um facão como este aqui, eu ainda podia acreditar que tivesse enfrentado um cachorro. Mas daqueles pequenos, de madame.. quá, quá, quá...

            E deixou, finalmente, o velho Zefe em paz. Em paz, mas com um estranho brilho nos olhos. E ninguém percebeu quando, meia hora depois, o idoso saiu logo atrás do mulato zombeteiro.

No dia seguinte comentava-se sobre um homem mulato, jovem e forte, que fora achado morto a golpes de faca, em um terreno baldio. Testemunhas dizem tratar-se de um duelo, travado honestamente, entre ele e uma pessoa não identificada. E o mulato morreu.

Interpelado pelos amigos, sobre o caso, seo Zeferino limitava-se a responder, friamente:

- Severina, minha faca, não foi com a cara da faca dele.

 

QUESTIONÁRIO PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO EM AULA

 

1 – No texto apresentado, vemos que o personagem mais jovem apresenta um comportamento irônico e debochado, em relação ao personagem mais velho (Seo Zeferino). Como você classifica esse tipo de atitude daquele personagem, em relação ao personagem Zeferino?

 

2 – Em sua opinião, o fato de seo Zeferino ser mais velho, influenciou no comportamento do personagem mais jovem (o mulato), em relação a ele?

 

3 – Os dois personagens centrais, seo Zefe e o mulato bebiam substâncias alcoólicas (cerveja e cachaça). As bebidas poderiam ter influenciado no comportamento dos personagens e do desfecho da história?

 

4 – “Puxou do cano da bota uma grande faca, de metal opaco e grosseiro”. A faca do personagem mais jovem era maior do que a de seo Zaferino. O personagem, também era um homem alto, forte e bem mais jovem que o ancião. Que lição se depreende do desfecho da história?

 

5 – Em sua opinião, o preconceito contra a velhice é um problema ambiental? Em caso afirmativo, por quê?

 

 

 

 

 



[*] Conto premiado no Concurso de Literatura Felipe D´Oliveira, em Santa Maria/RS, em 

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